Dioge Tsutsumi

A Nova Guerra Fria já começou e o front é dentro de cada país

A Nova Guerra Fria já começou e o front é dentro de cada país


A Nova Guerra Fria já começou e o front é dentro de cada país Criação Dioge Tsutsumi

A Nova Guerra Fria já começou e o front é dentro de cada país.

Por: Dioge Tsutsumi

O mundo rachou. Não em dois blocos como na velha Guerra Fria, mas em mil fissuras que correm por dentro das próprias nações. 

A França virou estudo de caso ao vivo: governo derrubado por moção de censura, primeiro-ministro substituído de novo, ruas bloqueadas por protestos coordenados e uma agência rebaixando a nota de crédito do país enquanto a política se fragmenta. O presidente continua, o governo cai, o parlamento trava, e as cidades param sob o slogan Block Everything. Isso não é teoria, é o noticiário do dia. 

A Europa confirma o clima de terremoto silencioso. Nas eleições para o Parlamento Europeu em 2024 a direita cresceu e empurrou o eixo do debate, mas o quadro foi desigual e cheio de nuances. Em paralelo, o Reino Unido trocou de lado com uma vitória esmagadora do Labour, sinal de cansaço com a direita tradicional. Resultado prático é um continente sem narrativa única, mais nervoso com imigração, segurança, energia e orçamento, e menos capaz de construir consensos estáveis. 

No norte a instabilidade virou norma. A Holanda formou um governo difícil com a direita como força principal e desmoronou meses depois em briga sobre imigração e segurança de fronteiras. O que derruba não é uma invasão externa, é o curto-circuito interno de coalizões improváveis que não se sustentam diante de agendas identitárias e de soberania. 

O pêndulo nas Américas balança com a mesma violência. O México levou a esquerda a uma vitória histórica com maioria legislativa que redesenhou o tabuleiro de poder. 

A Argentina seguiu no sentido oposto, bancou um choque liberal, colheu apoio e repulsa quase na mesma medida, com ruas cheias e greves gerais contra a austeridade. Esse é o retrato do século vinte e um tardio na região: alternância de projetos antagônicos sob pressão de inflação, dívida, crime organizado e desconfiança crônica nas instituições. 

A Nova Guerra Fria da Ásia e da África

Se alguém ainda duvida de que a polarização não é só coisa do Ocidente, basta olhar para o que está acontecendo na Ásia e na África. A rachadura política que antes separava blocos de nações agora se tornou uma ferida aberta dentro dos próprios países.

Na Ásia, a Coreia do Sul é hoje um retrato vivo da polarização política global. 

O impeachment de Yoon Suk-yeol em abril de 2025 não apenas derrubou um presidente conservador, linha dura contra a Coreia do Norte e fiel aliado de Washington e Tóquio, como também virou o pêndulo político do país. Diferente de modelos como o brasileiro ou americano, a Coreia do Sul não tem vice-presidente; por isso, o primeiro-ministro assumiu interinamente até a realização de eleições antecipadas, que a Constituição obriga a acontecer em até 60 dias.

Em junho, o resultado foi a vitória de Lee Jae-myung, do Partido Democrático, um populista de centro-esquerda que defende uma agenda mais progressista e favorável ao Estado de bem-estar social, além de uma política externa de diálogo com Pyongyang e aproximação cautelosa com Pequim. 

Essa guinada política expõe de forma clara a rachadura interna da sociedade sul-coreana: de um lado, uma parcela conservadora que teme a escalada da Coreia do Norte e enxerga os EUA como única âncora de segurança; de outro, um campo progressista que defende menos alinhamento automático a Washington e mais diplomacia regional.

A China continua sendo o grande elefante na sala: um regime autoritário que controla a vida de mais de 1,4 bilhão de pessoas com mão de ferro. O Partido Comunista transformou a censura em ferramenta de governança e a vigilância em estilo de vida. 

Pequim não precisa mais de tanques na rua para impor sua vontade, basta desligar o celular ou bloquear o aplicativo. E, enquanto controla sua população internamente, expande sua influência externamente com a Belt and Road Initiative, comprando aliados no mundo inteiro com obras e empréstimos.

A Índia, aclamada como “a maior democracia do planeta”, está longe de ser exemplo de estabilidade. O governo de Narendra Modi, marcado por um nacionalismo religioso crescente, divide hindus e muçulmanos e enfraquece as bases democráticas do país. Ao mesmo tempo em que a Índia se posiciona como alternativa ao domínio chinês, internamente mostra sinais de desgaste institucional, corrupção e tensões sociais que corroem sua credibilidade.

No Japão, a crise política explodiu com a renúncia do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, em setembro de 2025. Depois de apenas um ano no cargo, ele foi derrubado pela derrota histórica do seu partido (LDP) nas eleições parlamentares, pela inflação crescente e pela insatisfação popular. 

O que mais chama atenção, porém, é a ascensão do partido ultranacionalista, que saltou de 1 para 14 cadeiras no parlamento, com votos principalmente entre os mais jovens. Isso mostra que a polarização não está só entre velhas elites, mas enraizando-se numa nova geração que já não confia nos políticos tradicionais. 

O LDP, que por décadas foi a espinha dorsal da política japonesa, agora se vê fragilizado e dividido, enquanto cresce uma ala mais radical e disposta a romper o consenso burocrático que sempre marcou o país.

O Nepal também entrou no mapa da instabilidade. A juventude, revoltada com governos corruptos e distantes, tomou as ruas e mostrou que não existe mais espaço para o “café com leite” da política sul-asiática. O povo já não aceita passivamente decisões de elites que se fecham em gabinetes, e o resultado é imprevisível: ou nasce uma nova democracia mais forte, ou mergulham no caos.

Até regimes autoritários, como o Camboja, se veem obrigados a escolher lados. O governo, parceiro histórico da China, fez acenos públicos a Donald Trump. Um movimento que parece pequeno, mas mostra como até as ditaduras regionais percebem a disputa global entre narrativas e precisam se posicionar.

Já na África, a polarização é ainda mais brutal. O Sudão do Sul, que mal conseguiu respirar desde a independência, revive suas feridas étnicas e políticas. O governo acusa o vice-presidente de traição, tentando desmontar o acordo de paz que custou tanto a ser construído. O país caminha a passos largos para um novo colapso.

No Quênia, a repressão a jovens que protestam contra impostos abusivos e corrupção mostra um governo que perdeu qualquer pudor democrático. Usar tribunais antiterrorismo para punir estudantes e críticos é a confissão de que não há argumentos, só força bruta. Uma democracia de fachada.

E no Malawi, a eleição se aproxima em meio a uma tempestade econômica. Inflação, fome e corrupção empurram o povo para o limite. A revolta é o único combustível que resta, e a urna pode se transformar tanto em válvula de escape como em estopim para algo muito maior.

Tudo isso aponta para o mesmo fenômeno. A velha guerra entre blocos geopolíticos cede espaço a guerras políticas intestinas. 

O que antes era Washington versus Moscou agora é vizinho contra vizinho, sindicato contra ministério, rua contra orçamento, tribunal contra parlamento. 

Os indicadores contam a mesma história: notas de crédito sendo cortadas por causa de paralisia decisória, primeiros-ministros caindo em sequência, protestos massivos com centenas de presos e orçamentos inviáveis no papel. É uma guerra fria doméstica, de baixa intensidade e alta frequência, movida por disputa cultural, desigualdade, medo e fadiga democrática.

Há uma antítese importante para não cair na leitura preguiçosa da “onda única”. A direita de fato avança em parte da Europa e define agenda em temas de migração e soberania, mas a esquerda também conquista terreno decisivo em outros lugares e derruba governos quando articula maioria circunstancial. 

A França é o símbolo desse empate hostil. O resultado é um continente e um mundo mais polarizados, sim, porém acima de tudo mais fragmentados, com governabilidade escassa e risco crescente de conflitos sociais internos substituírem conflitos interestatais clássicos.

Quem ainda acha exagero precisa olhar o quadro inteiro. França sob bloqueios e rebaixamento de rating. México com supermaioria de esquerda que promete reformas profundas. 

Argentina em austeridade sob fogo cruzado das ruas. Holanda com um governo que cai por dentro. Nada disso é isolado. 

É a nova normalidade de um sistema global onde crises econômicas, escândalos e insegurança alimentam nacionalismos e, no contragolpe, reagrupam a esquerda em frentes amplas. O próximo grande confronto talvez não tenha tanques atravessando fronteiras, mas massas atravessando avenidas. 

A polarização não é exclusividade brasileira. O mundo inteiro anda rachado. O que antes era dividido em blocos durante a Guerra Fria, capitalismo de um lado, comunismo do outro hoje se reproduz dentro das próprias nações. Feridas históricas que nunca cicatrizaram voltam a sangrar, e a soma de crises econômicas, escândalos políticos e disputas ideológicas ameaçam transformar democracias frágeis em terrenos férteis para convulsões sociais. 

O perigo não é mais uma guerra entre países, mas guerras civis modernas, internas, onde vizinhos deixam de se enxergar como cidadãos e passam a se tratar como inimigos. O mundo está jogando uma roleta russa com a própria estabilidade.

O mundo não aprendeu com o passado, o futuro caminha para ser uma sequência de guerras civis disfarçadas de democracia.

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Dioge Tsutsumi é Publicitário e especialista em Marketing
Pensador livre. Contra o sistema, contra a hipocrisia e contra o teatro da polarização. Não sou de direita cega, nem de esquerda vendida. 

Nota nossa: as matérias e opiniões veiculadas nas Colunas são de exclusiva responsabilidade dos Colunistas.


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